Categorias
Sem categoria

Pandemia faz crescer uso de aplicativos que conectam caminhoneiros e embarcadores

Plataformas facilitam trabalho e aumentam eficiência em meio às dificuldades no setor

*Publicado originalmente na edição 415 da Revista Globo Rural (maio/2020)

Edmilson Fonseca tem 46 anos. Dessa trajetória, 24 anos foram dedicados ao transporte de cargas. Residente de Cambé, município que integra a região metropolitana de Londrina, no norte do Paraná, ele costuma transportar soja em grão e farelo, milho, além de adubo, em cidades vizinhas, como Apucarana e Maringá. Ocasionalmente, faz também o escoamento em um trajeto mais longo, limitado a 500 quilômetros, distância entre Cambé e o Porto de Paranaguá.

Ele faz parte de um grupo de transportadores que vem aderindo cada vez mais a uma maneira moderna de encontrar cargas. Edmilson usa um aplicativo que conecta caminhoneiros e embarcadores, o TMOV. A tecnologia trouxe algumas vantagens, especialmente nestes tempos de distanciamento social e pouco contato físico entre as pessoas.

Entre as novidades, está um cartão de débito que permite ao caminhoneiro gastar o dinheiro que recebe pelo transporte em qualquer estabelecimento e até fazer saques. “No momento em que eu carrego o caminhão, o adiantamento já cai no cartão do aplicativo. Antes, pegava o pagamento e tinha de usar cerca de 30% no local onde a troca era feita. Isso não existe mais. Então, compensa mais do que se fosse uma carta-frete”, afirma.

Outra facilidade é visualizar as cargas disponíveis no aplicativo e fazer o agendamento direto com a transportadora. Com a plataforma, o motorista conta que, a cada R$ 50 por tonelada carregada, entre R$ 5 e R$ 6 vão para o aplicativo – há uma variação de acordo como valor da entrega. Para usar o cartão fornecido pela plataforma, ele paga R$ 4,20 no caso de transferências e saques, mas não tem nenhum desconto na transação de débito.

Com a pandemia do novo coronavírus, Fonseca diz que, de maneira geral, a situação dos caminhoneiros está mais complicada. “No começo de abril, o preço do frete estava em R$ 106 por tonelada. No último dia 17, o mesmo serviço custava R$ 78 por tonelada”, reclama. Além disso, com a colheita da primeira safra de grãos, mais caminhoneiros migraram de serviços industriais para os setores alimentício e o agronegócio.

Com uma movimentação anual de R$ 750 milhões, o TMOV tem o agro como alvo principal e, com o aumento já observado nestes últimos meses, a plataforma espera atingir amarca de R$ 1,5 bilhão. “O mês de março foi recorde, e estamos fechando abril com aumento de 40% em relação ao ano passado”, conta Charlie Conner, CEO da Sotran, dona do aplicativo.

De acordo com o executivo americano, que chegou ao Brasil em 2013 para criar um fundo de investimentos, a jornada digital tem feito muito mais sentido especialmente agora, quando todos buscam se proteger mais, ter menos contatos físicos e depender menos de papéis. Esse movimento é irreversível, na visão de Conner. A safra recorde do Brasil e a disparada do dólar também contribuem como cenário de transporte mais intenso, lembra.

Economia

A contratação digital de transporte também tem proporcionado economia às empresas que buscam transporte. Uma das maiores companhias de adubos do mundo, a Yara Fertilizantes utiliza o TMOV para a entrega dos insumos aos produtores rurais no Brasil desde agosto do a no passado. Até então, eram 100 mil toneladas transportadas pela plataforma. De lá para cá, esse volume dobrou, chegando a um total de 200 mil toneladas.

“É um projeto inovador, que proporcionou uma economia considerável, de aproximadamente R$ 1 milhão”, afirma Alberto Rodrigues, gerente sênior de logística da Yara. “Isso traz ganhos em termos de competitividade. Dessa forma, podemos prover um melhor preço dos nossos insumos ao produtor.”

Funciona da seguinte forma: a empresa de fertilizantes disponibiliza a carga para a transportadora já com o valor do frete que está disposta a pagar. Se a proposta for aceita, o aplicativo oferta a carga por meio de sua plataforma aos motoristas.

Em pouco mais de sete meses, Rodrigues estima que cerca de 2,7 mil motoristas já fizeram entregas para a Yara pela plataforma. “Nós colocamos o serviço em 29 cidades em todo o país, onde podemos ter essa parceria.” 

Garantia de retorno

Com 200 mil caminhoneiros cadastrados em sua plataforma, a Cargo X, pioneira neste segmento e com faturamento de US$ 500 milhões em 2018, registrou crescimento durante a pandemia em segmentos como higiene e limpeza (53%) e alimentos (43%) nos meses de março e abril na comparação com janeiro e fevereiro.

Para o agronegócio, o aumento foi de 1%. É que a base de caminhoneiros do setor que atua na plataforma já é proporcionalmente alta, explica a empresa. Dos 40 mil motoristas ativos, cerca de 16 mil são do agro (40%).

Em contrapartida, diversos setores registraram queda brusca, como eletroeletrônicos (-71%), vestuário (-62%), bebidas (-46%), metalurgia e siderurgia (-28%) e construção (-12%). Nesse cenário, o momento gera incerteza aos caminhoneiros.

“Muitas vezes, a família toda trabalhava e os custos das despesas eram divididos. Agora, o caminhoneiro passou a ser a única fonte de renda”, analisa Kaue Miglioranza Santos, gerente de estratégia de negócios e marketing da Cargo X. Segundo ele, outra preocupação dos motoristas é ter garantias para a demanda de carga no retorno para a casa.

Para auxiliar os colaboradores durante a pandemia, a plataforma disparou orientações sobre higiene, forma de lidar com os clientes e até descarga dos produtos. A Cargo X diz também que disponibilizou um guia para que os motoristas possam visualizar quais postos e serviços de conveniência estão abertos nas rodovias, além de suporte 24 horas por dia para esclarecer eventuais dúvidas. 

Pagamento imediato

Com uma margem que varia entre 5% e 10% no valor do frete cobrado do motorista, a empresa destaca que a facilidade e a segurança no fluxo de caixa são vantagens da sua operação. O caminhoneiro recebe 70% do valor do frete já no carregamento e o restante é pago assim que ele faz a entrega.

“Transportadoras tradicionais normalmente fazem o pagamento daquela carga em uma média de 90 a 120 dias. Nós fazemos o pagamento imediatamente”, explica Miglioranza.

Uma das maiores empresas do agronegócio mundial, a americana Bunge movimenta 2 5 milhões de toneladas de grãos por ano no Brasil, com 320 mil caminhoneiros parceiros na sua operação e cifras para o transporte de commodities estimadas em vultosos R$ 3,5 bilhões.

Para dar eficiência ao modelo de negócios, a companhia lançou em janeiro o Vector, aplicativo que integra os motoristas e as demandas nas unidades industriais em todo o Brasil. Segundo o diretor de logística da Bunge, Makoto Yokoo, o aplicativo chegou ao mercado em boa hora para ajudar os caminhoneiros durante a crise.

“Com a disseminação do coronavírus e todas as medidas de mitigação de contato entre as pessoas, o Vector veio em um timing incrível. Antes, era o motorista que tinha de aparecer no escritório da Bunge, podendo expor a si mesmo e outras pessoas com o contato direto. Agora, ele faz todo o processo por meio do aplicativo”, diz.

Ganho de tempo e trabalho

Diferentemente de outras plataformas, não há cobrança de taxa sobre o frete fechado entre motoristas e transportadoras. Yokoo diz que isso é possível pelo ganho de eficiência que a plataforma oferece com a operação. “O motorista perdia entre dois e três dias esperando uma carga. Com o app, ele ganha tempo e pode ter um volume maior de trabalho”, diz.

Da base de 60 mil motoristas ativos, 23 mil já fizeram o download do Vector até 10 de abril. Entre 13 de janeiro e 15 de março, os dois primeiros meses de vida da plataforma, a movimentação no app foi de 500 mil toneladas. Com as medidas de restrição da circulação de veículos impostas pela quarentena, a adesão dos caminhoneiros foi mais rápida: entre a última quinzena de março e os primeiros dez dias de abril, mais de 1 milhão de toneladas foram movimentadas.

“Nossa meta era ter 80% do que movimentamos passando pelo Vector até o final do ano. A quantidade de 1,5 milhão de toneladas já representa 45% das nossas cargas no período. Certamente, isso é reflexo do impacto positivo para a produtividade da eficiência do motorista e da transportadora”, analisa Yokoo.